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País:Brasil
Idioma:português

Todos os laxantes estimulantes são iguais? 
Uma perspetiva comparativa sobre bisacodilo, picossulfato de sódio (SPS) e sene 


EFSM: 2024;4:240044DOI: 10.52778/efsm.24.0044Data de publicação: 15.09.2024
Maura Corsetti, Anna Lacerda, Ketu Patel e Alèxia Aran

Os laxantes estimulantes, como o bisacodilo, o picossulfato de sódio (SPS) e o sene, são aconselhados no tratamento da obstipação, com base na recente diretriz AGA/ACG [1], com diferentes níveis de recomendação e evidência. Todos estimulam a motilidade intestinal, bem como a secreção de água e de eletrólitos, e aceleram o tempo de trânsito intestinal [2, 3]. Não se pode generalizar que os laxantes herbais sejam mais suaves do que os sintéticos [1]. Um estudo observacional retrospetivo demonstrou que o bisacodilo pode ser usado em segurança, mesmo em tratamentos prolongados [3]. A utilização a longo prazo do bisacodilo e do SPS durante a gravidez e a utilização durante a amamentação não demonstraram evidência de efeitos indesejáveis ou nocivos [4].

Os laxantes naturais não são necessariamente mais seguros

Há uma ideia errada generalizada de que os fármacos naturais e herbais são melhores e/ou mais seguros para a nossa saúde do que os medicamentos sintéticos. Nem todos os produtos naturais são de eficácia comprovada e, além disso, alguns foram associados a preocupações de saúde graves [5]. O objetivo desta revisão foi resumir e comparar a evidência atual relativamente a três laxantes estimulantes normalmente usados na prática clínica: SPS e bisacodilo (ambos de origem sintética) e sene (de origem natural).

Aspetos comuns e diferenças no mecanismo de ação dos estimulantes

A prevalência global da obstipação estima-se nos 14% [2, 3]. Os tratamentos farmacológicos para a obstipação incluem fibra (p. ex., psílio), laxantes osmóticos (p. ex., polietilenoglicol, PEG), laxantes estimulantes (p. ex., bisacodilo, sene, SPS), secretagogos (p. ex., linaclotida) e agonistas da serotonina (p. ex., prucaloprida) [1]. Os laxantes estimulantes podem ser subdivididos em duas categorias: derivados do difenilmetano (p. ex., bisacodilo e SPS) e antraquinonas à base de plantas (p. ex., sene, aloé e cáscara) [2, 3]. Nesta revisão, o foco estará no bisacodilo, no SPS e no sene, que são laxantes estimulantes normalmente usados.

Demonstrou-se que todos os laxantes estimulantes têm efeitos procinéticos e secretórios no cólon, ao estimular tanto a motilidade intestinal com a secreção de água e de eletrólitos, acelerando assim o tempo de trânsito intestinal (Fig. 1) [2, 3].

O bisacodilo e o SPS são pró-fármacos, que, no intestino, se convertem no mesmo metabolito ativo bis-(p-hidroxifenil)-piridil-2-metano (BHPM), responsável pelo efeito laxante. Ao passo que o bisacodilo se converte em BHPM por enzimas endógenas da mucosa intestinal, a conversão do SPS em BHPM depende das bactérias do colon (Fig. 2) [2]. 

O sena é um derivado da planta com o mesmo nome e contém senosídeos A e B, que têm de ser metabolizados pelas bactérias intestinais nos metabolitos ativos reína antrona e reína (Fig. 2) [3]. 

Por isso, tanto o SPS como o sena dependem de atividade bacteriana para obter um efeito laxante. Se o microbioma intestinal se alterar, por exemplo devido a tratamento antibiótico, o efeito destes laxantes pode ser afetado, o que sugere que o bisacodilo tem um efeito mais consistente [2], apesar de isso ainda estar por confirmar.

A diretriz recomenda vivamente bisacodilo e picossulfato de sódio

Relativamente a evidências clínicas, desde os anos 50 que se fazem estudos com bisacodilo e SPS e, desde a introdução das boas práticas clínicas, foram realizados três grandes ensaios [2]. Com base nas evidências de ensaios, a AGA/ACG publicou recentemente uma diretriz de prática clínica para a gestão farmacológica da obstipação idiopática crónica em que tanto o bisacodilo como o SPS foram categorizados como vivamente recomendados para o tratamento a curto prazo (utilização diária durante 4 semanas ou menos) ou como medicação de recurso. Esta classificação é o nível mais elevado de recomendação e certeza de evidência entre os diversos laxantes incluídos na diretriz AGA/ACG [1]. Além disso, o facto de o bisacodilo e o SPS serem recomendados como medicação de recurso para ensaios clínicos que investigam novos compostos sugere que não há dúvidas relativamente à sua eficácia [2]. Nos ECAs publicados, a dose inicial foi de 10 mg/dia oralmente para SPS e bisacodilo, permitindo uma titulação decrescente durante o período de tratamento. A percentagem de doentes com EAs (diarreia ou dor abdominal) relacionados com o fármaco baixou substancialmente com a redução da dose, sugerindo uma maior tolerância ao tratamento uma vez estabelecida a dose individual dos doentes [2, 3]. Além disso, a diretriz AGA/ACG recomenda que se comece com uma dose mais baixa, que se aumenta se isso for tolerado e necessário, em harmonia com os resultados anteriores para uma melhor gestão da obstipação [2, 3].

Por vezes, os doentes manifestam a vontade de usar um laxante natural, como o sene, convencidos de que um laxante natural possa ser mais suave e mais tolerável. Contudo, consultando a literatura, há falta de ensaios controlados aleatórios de grande dimensão relativamente ao sene [2]. Numa revisão sistemática e numa meta-análise recentes, a suplementação com sene não apresentou melhores resultados do que o placebo em termos de melhoria dos sintomas de obstipação [7]. Além disso, a diretriz AGA/ACG classificou o sene com uma força de recomendação condicional e baixa certeza de evidência [1]. Os autores da diretriz destacam o facto de os estudos disponíveis usarem doses mais elevadas do que as habitualmente usadas (1 g por dia em vez de 6–17 mg por dia), o que implica a necessidade de mais estudos [1, 7].

Por isso, com base em evidências disponíveis e suportado por diretrizes internacionais, o bisacodilo e o SPS apresentam dados mais robustos do que o sene na gestão da obstipação idiopática crónica, motivo pelo qual o nível de recomendação é mais elevado.

Considerações de segurança para até 28 dias e utilização a longo prazo

Ao contrário do PEG e de fármacos aprovados mais recentemente, as evidências disponíveis sobre a utilização a longo prazo do bisacodilo, do SPS e do sene são limitadas [3]. Não obstante, são levantadas constantemente questões relativamente a dependência, habituação/tolerância ou danos no intestino. Estas baseiam-se em presunções não fundamentadas e na experiência com outros laxantes, e podem ser refutadas por estudos recentes que investigam o bisacodilo [2].

De uma perspetiva farmacológica, o metabolito ativo BHPM (do bisacodilo e do SPS) não é absorvido e não consegue atravessar a barreira hematoencefálica, pelo que não pode causar nenhum tipo de dependência, independentemente do período de utilização [2, 3, 8].

Pelo facto de as informações sobre a utilização a longo prazo serem limitadas, um estudo observacional retrospetivo recente pode ser útil para suplementar dados clínicos [3]. Neste estudo, os autores avaliaram alterações na dosagem do bisacodilo durante uma utilização contínua de, pelo menos, 28 dias.

Ao longo do período de seguimento, 94,0% dos doentes manteve a dose inicial de bisacodilo. Apenas sete doentes (4,2 %) dos que estavam a tomar 5 mg de bisacodilo aumentaram a dose, ao passo que quatro doentes (10,8%) no grupo de 7,5 mg e dois (13,3%) no grupo de 10 mg baixou a dose durante este período (Fig. 3). Estes resultados sugerem que o bisacodilo pode ser prescrito numa dose estável e, em harmonia com estudos anteriores, não houve sinais a indicar uma potencial habituação [3]. 

Relativamente ao sene, uma revisão sistemática deu a conhecer que dois terços dos indivíduos com obstipação crónica descontinuaram os tratamentos à base de sene devido a alívio insuficiente dos sintomas intestinais, bem como a efeitos secundários. Os dois estudos analisados incluíram 254 participantes a tomar entre 15 mg e 1 g de sene diariamente [7].

Segurança de utilização durante a gravidez e a amamentação

Os compostos bisacodilo e SPS têm sido usados no tratamento da obstipação desde os anos 50 e 60, respetivamente. Não há estudos adequados e bem controlados realizados em grávidas. No entanto, ao longo dos últimos 70 anos, não há evidências relativamente a efeitos indesejáveis ou danosos durante a gravidez [2]. 

Um estudo com oito lactantes demonstrou não haver princípios ativos excretados no leite materno, mesmo depois de várias administrações de bisacodilo [2]. A base de dados Embryotox conclui que a amamentação é possível sem limitações durante a terapia com bisacodilo [9].

A avaliação da utilização do SPS durante a gravidez e a amamentação é compatível com a do bisacodilo [10]. Ao contrário, há motivos para não usar o sene em grávidas, dado que substâncias químicas comparáveis demonstraram efeitos genotóxicos fracos em animais [1].

Resumo

A origem natural ou sintética dos medicamentos laxantes não define a sua maior segurança ou eficácia. Ambos são medicamentos e têm de provar a sua eficácia e segurança em ensaios clínicos. A diretriz mais recente da AGA/ACG recomenda a utilização de estimulantes naturais e sintéticos para o tratamento da obstipação idiopática crónica, mas oferece vários níveis de recomendação e evidências. Os autores criticam a falta de dados de ensaios e o facto de terem sido usadas doses anormalmente elevadas nos estudos disponíveis. 

O bisacodilo e o SPS são laxantes de ação local com efeitos na secreção e na motilidade intestinais, sendo considerados tratamentos normalizados para a obstipação. O tratamento deve ser iniciado com uma baixa dose e aumentado à medida do necessário. Uma vez que a obstipação idiopática crónica costuma ocorrer durante longos períodos, é necessário um tratamento seguro e clinicamente eficaz. Os estudos disponíveis indicam que a toma a longo prazo de bisacodilo não está associada a habituação ou dependência. 

*Embryotox é o centro de farmacovigilância e de aconselhamento para embriotoxicologia na Charité-Universitätsmedizin Berlin. Fundado pelo ministério da saúde alemão federal. Desde 1988 que fornece informações independentes sobre a segurança de medicamentos durante a gravidez e a amamentação.

Literatura

  1. Chang L, Chey WD, et al. American Gastroenterological Association-American College of Gastroenterology clinical practice guideline: Pharmacological management of chronic idiopathic constipation. Gastroenterology. 2023;164(7):1086–1106. doi: 10.1053/j.gastro.2023.03.214. PMID: 37211380.
  2. Corsetti M, Landes S, et al. Bisacodyl: A review of pharmacology and clinical evidence to guide use in clinical practice in patients with constipation. Neurogastroenterol Motil. 2021;33(10):e14123. doi: 10.1111/nmo.14123. Epub 2021 Mar 9. PMID: 33751780; PMCID: PMC8596401.
  3. Bouchoucha M, Amand C, et al. A retrospective real-world observational study assessing the evolution of bisacodyl prescriptions in patients with constipation during long-term treatment. Drugs  Real World Outcomes 2023;10:249–261. https://doi.org/10.1007/s40801-023-00354-6
  4. Friedrich C, Richter E, et al. Absence of excretion of the active moiety of bisacodyl and sodium picosulfate into human breast milk: an open-label, parallel-group, multiple-dose study in healthy lactating women. Drug Metab Pharmacokinet. 2011;26(5):458–64. doi: 10.2133/dmpk.dmpk-11-rg-007. Epub 2011 Jun 21. PMID: 21697613.
  5. National Institute of Health (NIH). Natural doesn’t necessarily mean safer, or better. https://www.nccih.nih.gov/health/know-science/natural-doesnt-mean-better (Zugriff 24.10.2023).
  6. Le J, Ji H, et al. Pharmacology, toxicology, and metabolism of sennoside A, a medicinal plant-derived natural compound. Front Pharmacol. 2021;12:714586. doi: 10.3389/fphar.2021.714586 (Fig. 5: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34764866/#&gid=article-figures&pid=figure-5-uid-4).
  7. van der Schoot A, Creedon A, et al. The effect of food, vitamin, or mineral supplements on chronic constipation in adults: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Neurogastroenterol Motil. 2023;35:e14613. doi: 10.1111/nmo.14613. Epub ahead of print. PMID: 37243443.
  8. SMPC. Dulcolax Adult 5 mg Gastro-resistant Tablets. https://www.medicines.org.uk/emc/product/361/smpc (access 28.09.2023).
  9. Embryotox: Bisacodyl. https://www.embryotox.de/arzneimittel/details/ansicht/medikament/bisacodyl/ (access 28.09.2023).
  10. Embryotox: Natriumpicosulfat. https://www.embryotox.de/arzneimittel/details/ansicht/medikament/natriumpicosulfat/ (access 28.09.2023).

Conflito de interesses: K. Patel, A. Aran e A. Lacerda são funcionários da Sanofi.

Divulgação: Texto médico financiado pela Sanofi.

Agradecimentos: Os autores agradecem a Paula Fontanilla, PhD, pela revisão crítica do conteúdo científico deste manuscrito e pela ajuda na criação de figuras.

Empresa/Correspondência: Maura Corsetti, NIHR Nottingham BRC, Nottingham University Hospitals NHS Trust and the University of Nottingham, Nottingham (UK), Anna Lacerda, Sanofi, Sao Paulo (Brazil), Ketu Patel, Sanofi, Bridgewater, NJ (USA) e Alèxia Aran, Sanofi, Barcelona (Spain)
Data de entrega: 08.02.2024Data de aprovação: 23.07.2024Data de publicação: 15.09.2024
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